Em pleno século 21, será que as crianças ainda têm medo de seres imaginários como bicho-papão e o homem do saco
De repente um grito! Ela acorda assustada, salta da cama e, correndo, vai em direção ao quarto adjunto:
- Mamãe, mamãe, um monstro...
A mãe pega o filho no colo e retorna ao quarto. Mas, assustado, ele insiste:
- Deixe a luz acesa mamãe.
Qual mãe nunca passou por algo parecido? Qual pai não acordou com dores nas costas ou pescoço por ter dormido espremido no canto da cama para dar espaço ao filho assustado? É o que o medo pode causar em todos na casa quando os monstros imaginários estão à solta.
Bicho-papão, fada do dente, bruxas, lobos, monstros, mitos que surgiram para, de alguma forma, amedrontar, divertir e controlar as crianças. Eles estão por toda a parte, em desenhos, filmes, personagens em quadrinhos, livros, tudo o que alimenta o mundo imaginário e fictício infantil. Desde a bruxa da “Branca de Neve” e o lobo mau da “Chapeuzinho Vermelho” até o divertido monstro do armário da animação “Monstros S.A.”, esses monstros vêm alimentando o mundo paralelo em que as crianças vivem.
Para fortalecer a ideia da criatura assustadora, os pais utilizam técnicas para poder controlar os filhos de uma forma, aparentemente, mais fácil. Quem já não ouviu, ‘se você fizer isso o monstro vai te pegar’, ou, ‘se você for para lá o homem do saco vai te levar embora’. Imagine o que isso pode causar numa mente em desenvolvimento em que a imaginação está no ápice de sua forma.
“Por volta dos três anos de idade, as crianças começam a aprender regras, se os pais utilizarem o “homem do saco” para fazer os filhos obedecerem ordens, o resultado vai ser medo e não respeito”, diz a psicóloga e psicoterapeuta Dra. Aurea Ferreira, especialista em psicologia comportamental cognitiva pela Universidade de São Paulo e membro do Instituto de Saúde Cognitiva Aplicada (INSCA).
Mas será que as crianças, em plena era digital, onde o brinquedo eletrônico substituiu o peão de barbante, os personagens de desenhos substituíram o clássico carrinho, a tradicional boneca fora trocada pelo telefone celular, ainda têm medo desses monstros imaginários?
Ferreira diz que nas grandes cidades o mais comum são as crianças sentirem medo da realidade que a televisão transmite, como assaltos e sequestros, ao invés dos mitos infantis.
As crianças de até três anos de idade ainda têm medo dessas e, outras crenças de monstros. Principalmente quando a gente conta histórias, devemos explicar que é somente um conto, que existe a bruxa boa e a má.
Há também o temor de personagens conhecidos e amados por todos. Algumas crianças pequenas têm medo de papai-noel, coelho do ovo da páscoa e palhaços. Temos de mostrar que é uma coisa boa para a criança. Quanto mais falamos que é uma coisa do mal, mais a criança vai ter medo.
A psicóloga Aurea Ferreira ressalta que nesses casos é preciso ser feito o enfrentamento gradual. “Aos poucos, os pais conversam com os filhos e, juntos, tentam uma aproximação com o personagem temido pela criança, seja papai-noel ou palhaços”. Ainda segundo a psicóloga, normalmente os pais criticam os filhos quando o ideal é conversar com a criança, compreender o medo e os motivos que a levaram a este estado de insegurança, compartilhar experiências e ajudá-la a enfrentar esses temores.
As escolas também podem ajudar com o problema no auxílio aos pais para a identificação do medo dos filhos e trabalhar o enfrentamento nas crianças. Mas se a situação não melhorar, o ideal é procurar ajuda profissional. Consulte um psicólogo infantil e nunca use remédios sem a ajuda de um especialista.
Entrevista cedida pela psicóloga Aurea Ferreira Martins dos Santos CRP 06/74489 para Felipe C. Santos – Editor-chefe da Revista Em Família.