Medo além do limite
Fobia
Paralizado de medo Quando o medo é paralisante e foge à razão é chamado de fobia, distúrbio que requer ajuda médica caso haja prejuízo à qualidade de vida.
A figura do palhaço que encanta a criançada é a mesma que causa terror à Máira Talita Gouveia Resende, uma jovem mãe de 25 anos que faz todos os desejos do filho Gabriel, de 2 anos e meio, menos o de levá-lo ao circo. “O medo é tanto que meu coração dispara, começo a tremer e faço de tudo para fugir da situação”, explica. Coincidentemente, ela cruzou com um alerquim vendendo pirulito num semáforo da cidade e, por muito pouco, não avançou o farol vermelho arriscando um acidente de trânsito. Ela sabe que a origem do seu pânico vem da infância e está ligada à lenda Gangue dos Palhaços, que roubava e matava criancinhas para vender seus órgãos no mercado negro.
Já adulta Máira reconhece que tudo não passou de boato. Mesmo assim a razão não a livrou até hoje do medo de palhaço. O remédio que usa para combater a fobia é evitar o contato, ou seja, ela foge de palhaço como o diabo foge da cruz. Nem sempre o fóbico tem conhecimento da raiz de seu medo exagerado e, na esperança de que a revelação possa ajudá-lo a superar o problema, muitos têm procurado o divã do terapeuta.
É o que Fernanda Ruiz Massa tem feito para vencer o pânico de viajar de avião, desencadeado sem mais nem menos durante um voo à Fortaleza (CE), em 2014. A jovem, que sempre embarcou na maior tranquilidade, começou a sentir uma inquietude inexplicável nas pernas, acompanhada de sintomas semelhantes aos relatados por Máira. Aguentou o desconforto a duras penas e, 12 dias depois, deu de frente novamente com o inimigo numa ponte área São Paulo – Rio de Janeiro.
A partir daí Fernanda desistiu de voar. Trocou as viagens de avião por passeios de navio, chegando ao ponto de ir a Porto Seguro (BA) de ônibus para encontrar a turma de amigos que partiu pra lá de avião. “Não tive coragem de enfrentar”, recorda Fernanda que, diante dos prejuízos, decidiu procurar ajuda em 2017. Com terapia, associada à medicação em certas ocasiões, Fernanda está a meio caminho andado de atingir o grau de tranquilidade que tinha antes da primeira crise fóbica em 2014.
FAÇA IGUAL
“Quando as estratégias de enfrentamento geram um custo emocional e social muito elevado para o indivíduo, a melhor saída é o tratamento”, explica o psicólogo Luiz Ricardo Vieira Gonzaga. Casos como os de Máira e Fernanda não são raros. A fobia é uma das psicopatologias mais comuns, prevalente entre 4 a 11% da população, embora nem todos os casos sejam incapacitantes ou tragam prejuízo à qualidade de vida do portador. Quem tem pavor de galinhas (alectorofobia) ou do escuro (escotofobia), por exemplo, não tem tanta dificuldade assim para driblar as crises fóbicas.
Em contrapartida, quanta gente não se entope de remédios contra dor de dente pelo “simples” pânico de sentar na cadeira de dentista (odontofobia)? E aqueles que perdem excelentes oportunidades de emprego e de fazer carreira pelo “simples” medo de se expor diante de pessoas (fobia social)? Simples para quem está de fora da situação. O sentimento de medo, independentemente de quê ou de quem, leva o cérebro a liberar uma substância que faz o coração disparar, as palmas das mãos suar, os músculos enrijecer e as pernas tremer. É o corpo em estado de alerta para enfrentar ou fugir do perigo, mesmo que o inimigo seja uma barata.
“A fobia fica caracterizada no excesso desses sintomas, deixando o indivíduo não em alerta, mas paralisado, como se todos os seus medos, angústias e ansiedades fossem canalizados para um único objeto ou situação”, explica o psicólogo Márcio Iost, de São Caetano. Imagine, então, essa avalanche de emoções e desconfortos físicos vivenciados dentro de um avião, sem ter para onde correr? Daí o pânico dos areofóbicos em repetir a experiência.
A MORADA DO MEDO
As fobias podem despertar em qualquer fase da vida, geralmente fruto de alguma vivência traumática. Quem passou por um algum perrengue ao ficar preso num elevador, por exemplo, pode desenvolver o medo exagerado por lugares fechados e sequer frequentar o cinema. Uma criança, alvo de gozação dos amigos durante a exposição de um trabalho escolar, também é capaz de nunca mais se apresentar em público, levando a fobia social para o resto da vida. Nem é preciso ter passado uma experiência traumatizante. A fobia pode ser transmitida.
Filhos que já presenciaram a mãe desmaiando ou fazendo escândalo durante um exame de sangue no laboratório podem ser futuros candidatos à hemofobia (medo de sangue) ou à tripanofobia (medo de agulha). A esse quadro dá-se o nome de processo de modelagem, segundo explica o psicólogo Luiz Ricardo. “Por mecanismos de aprendizagem, observando as reações emocionais do modelo (pai ou mãe) diante de determinados estímulos, a criança acaba incorporando as mesmas reações”, ressalta. E quanto maior a reação fóbica, maior a intensidade de resposta aprendida pelo modelo.
Como a mente humana é das mais complexas, na grande maioria das vezes o estímulo causador de certas fobias, principalmente as mais estranhas - como medo de palhaço, de peteca ou de bicho de pelúcia – pode ter sido mero figurante de um momento estressante, que ficou guardado nos porões do subconsciente. Seria o caso, por exemplo, de uma criança dura e injustamente agredida pelo pai ou mãe por algo que não fez enquanto assistia um desenho de palhaço na televisão.
Bem diferente da história fóbica de Máira, já que seu terror por palhaço remete a fatos concretos dos boatos que circularam em meados da década de 90 sobre uma gangue de arlequins, que surgia numa Kombi azul e roubava criancinhas.
VOCE TEM MEDO DE QUE?
Seja do que for, busque ajuda caso sua qualidade de vida esteja sendo prejudicada pelo medo. O psicólogo Márcio Iost adianta que há várias linhas de tratamento da fobia dependendo da abordagem do psicólogo. Pode-se, por exemplo, recorrer à terapia de busca e entendimento do estímulo gerador, devolvendo a tranquilidade ao paciente. Ou, então, trabalhar a ansiedade e o nervosismo em estratégias de enfrentamento. Além disso, uma abordagem terapêutica que tem se destacado em casos fóbicos é a terapia comportamental e a terapia cognitivo comportamental, abordagem cientificamente comprovada, segundo garante o psicólogo Luiz Ricardo.
Os pensamentos distorcidos e rígidos do paciente são acessados por meio de estratégias comportamentais com a técnica da dessensibilização sistemática. O fóbico é exposto gradual e repetidamente ao estímulo gerador de ansiedade até que ativação do medo seja diminuída. Outra ferramenta terapêutica é a modelação, empregada em conjunto com a exposição graduada, para promover o aprendizado de respostas mais adaptativas. “Esses são alguns dos recursos utilizados pelos psicólogos clínicos cognitivos comportamentais para o tratamento da fobia específica”, detalha o profissional.
Consultoria: Luiz Ricardo Vieira Gonzaga, psicólogo Cognitivo – Comportamental, mestre e doutor em psicologia pela PUC/Campinas, e autor do livro O Estresse da Escolha Profissional em Estudantes, editado pela Paco Editorial. Márcio Iost é psicólogo clínico em São Caetano do Sul, formado em Psicologia pelo Centro Universitário Paulistano e especializado em psicodram.
Fobia
IVANILDE SITTA